Sinopse
AS CRUZADAS foram e continuam a ser controvertidas e contenciosas muito além da comunidade acadêmica. Mais do que qualquer outro incidente da história medieval europeia, ingressaram na esfera da história pública, em que o passado é captado em incessantes mitos culturais de herança, autoimagem e identidade. Muitos grupos e nações descobrem que sua memória é embaraçosa, até mesmo angustiante. Os massacres de judeus e mulçumanos palestinos em Jerusalém em 1099, ou de gregos em Constantinopla em 1204; a matança de judeus da Renânia em 1096 ou 1146, ou dos judeus ingleses em 1190; as derrotas dos cristãos latinos para grandes líderes islâmicos, como Saladino e Baibars; a expulsão dos conquistadores ocidentais do território continental da Ásia Ocidental em 1291; os longos triunfos dos cristãos na Ibéria, dos alemães no Báltico Oriental ou dos turcos na Ásia Menor, nos Bálcãs e no leste do Mediterrâneo; todos esses aspectos da história do espírito cruzado deixaram um ressíduo de ressentimento, angústia, raiva, culpa e ougulho, dependendo de que legado – se é que algum – os observadores modernos querem reivindicar para si mesmos. Portanto, para qualquer historiador, a perspectiva é de extrema importância. Examinar um assunto de um ponto de observação específico, no entanto, é adotar uma posição para inspecionar a vista com mais nitidez. Não significa tomar partido.
Minha perspectiva é a europeia ocidental. Está mais de acordo com a minha experiência de pesquisa. Mas importante ainda, combina com as origens, desenvolvimento, continuação e natureza do fenômeno. Embora tendo um impacto muito além da Europa Ocidental, as Cruzadas como um ideal e uma atividade humana começaram e permaneceram enraizadas na cultura europeia ocidental. Adotar essa posição não implica absolutamente aprovação do espírito das Cruzadas. Não ignora as fontes geradas pelos oponentes e vítimas das Cruzadas. Também não privilegia o valor ou importância da experiência dos europeus ocidentais sobre os outros envolvodos, como ficará patente mais adiante. Mas é um artifício necessário para ver o assunto com clareza, através do nevoeiro de ignorância, obscuridade, a passagem do tempo e a complexidade das fontes sobreviventes. Uma história das Cruzadas poderia ser muito diferente na estrutura se relatada do ponto de vista dos mulçumanos medievais sírios, egípcios ou andaluzes, ou dos judeus da Europa e Oriente Próximo, ou dos bálticos livonianos ou prussianos. Os contornos do assunto, no entanto, se observados em termos imparciais, permaneceriam os mesmos, porque esse estudo é projetado como uma história, não como uma questão polêmica, como um relato, não como um julgamento, uma exploração de um episódio importante da história do mundo, de enorme fascínio imaginativo e intelectual, não uma apologia confessional ou um depoimento de testemunha em alguma ação judicial cósmica. Os leitores decidirão se essa perspectiva vale a jornada.