Sinopse
Permitam-me a praxe editorial que reserva este espaço a uma breve apresentação do livro que aqui se inicia. O próprio autor e personalidades que conhecem bem esta peça me desobrigam da tarefa. Sobre “Além do Arco-Íris”, porém, vale lembrar que sua marca não é a leveza recorrente nas cerca de vinte peças de Flávio Marinho. Esta trata de um assunto grave. Aqui se fala de perda e de morte, em sua dupla dimensão da vida que não chegou a ser. Com a habilidade dos que sabem penetrar de mansinho nos sentimentos da alma, é delicadamente que Flávio desvela o impacto do luto, quando a vida parece em suspenso, com seus dias que ora reabrem feridas supostamente cicatrizadas, ora prenunciam a paz, num descompasso com o mundo dos vivos, num eterno vaivém de ondas que rebentam nas frágeis estacas em que a gente se escora. No circulo mágico em que se expressa Rita, nas lembranças de Alex, Flávio faz um rodopio verbal que evoca Proust, dá-se ao requinte de uma pincelada luminosa de Ver Meer. Não por acaso, o romancista francês e o pintor holandês, embora separados por dois séculos, reencontram-se nesta peça, como a reafirmar que a remembrança e a transparência da luz dão alma aos objetos.
Mas a gravidade de “Alem do Arco-Íris” não desautoriza o humor. Afinal, seu autor é Flávio Marinho, que o tem como regra de criação, como método de sua arte. Ou melhor, de sua vida. Conheci Flávio, então um meninote de 18 anos, se lançando com desassombro em busca dos mundos. Desde então, o sorriso, e a graça que distinguem sua obra ganharam em consistência e lucidez, quem sabe em certa desilusão. É um Flávio na força exigente da maturidade que escreve “Além do Arco-Íris”. Ele é desses que foram brindados com o dom de fazer do riso, do pranto, de agruras e aventuras, de beijos e tapas, matéria nova para o teatro, renovada toda noite num palco. Autor, crítico, diretor, roteirista, tradutor, produtor, conhece como poucos o longo et cetera dos saberes da cena. É teatro o ar puro – o puro amor do teatro – que respira. Que o leitor não se engane: o arco-íris que se abre nestas páginas decompõe os matizes do que Flávio faz com maior talento: entender as imperfeições da natureza humana. Triste? Não. Comovente.